Graças ao seu forte crescimento económico e a medidas de redução da pobreza, Moçambique foi um caso de sucesso de desenvolvimento até 2016.  Nas duas décadas após o fim da guerra civil que terminou em 1992, o produto interno bruto (PIB) cresceu em média quase 8% por ano (gráfico A, abaixo), tornando o país numa das 10 economias com maior crescimento em todo o mundo.  Este fenómeno impulsionou a renda e o nível de vida do país, que contava com um crescimento médio anual do PIB per capita de 4,8% enquanto a taxa de pobreza caiu de 60,3% em 2002–03 para 48,4% em 2014–15 (gráfico B).  Estes resultados foram possíveis graças a um cenário de estabilidade política e macroeconómica, que forneceram a base para a recuperação do sector agrícola e para atrair um investimento estrangeiro significativo. Durante este período, Moçambique recebeu um enorme apoio de doadores, pelo qual o país ganhou a reputação de ser uma “estrela em ascenção” ou o “preferido dos doadores”.

Crescimento Económico e Redução de Pobreza em Moçambique

Figure A: GDP growth and GDP per capita, 1992-2018; Figure B: Poverty rate 2002-03 through 2014-15
Fonte: a.  Base de dados World Development Indicators (Indicadores de Desenvolvimento Mundial); b.  Inquérito ao Orçamento Familiar de 2002/03; 2008/09 e 2014/15.  Os últimos dados disponíveis sobre os índices de pobreza correspondem a 2014–15.
Nota: AF: Ano Fiscal; PIB: Produto Interno Bruto

No entanto, tudo mudou em 2016, quando uma crise gerada por uma dívida não declarada afundou Moçambique numa grave crise económica.  Um novo relatório do Grupo de Avaliação Independente (Independent Evaluation Group, IEG) acompanha as mudanças de cenário e as respostas às mesmas, enquanto avalia o programa desenvolvido pelo Banco Mundial em Moçambique entre 2008 e 2021. Em 2016, a existência de grandes empréstimos externos não declarados veio à tona quando o governo moçambicano estava a negociar uma restruturação de empréstimos altamente controversos contraídos em 2013, com o intuito de financiar a Empresa Moçambicana de Atum (EMATUM). O valor dos empréstimos não divulgados e não concessionais correspondia a 10% do PIB (1,4 mil milhões de dólares). Estes tinham contraídos pelo governo entre 2009 e 2014, através de garantias a empresas estatais e empréstimos directos de credores bilaterais. Após esta revelação, a moeda desvalorizou drasticamente, a inflação disparou, o espaço orçamental contraiu-se, o crescimento anual médio caiu pela metade, de 7,7% entre 2000 e 2016 para 3,3% entre 2016 e 2019, e o investimento estrangeiro directo esvaiu-se, à medida que os investidores perderam a confiança no país

Esta dívida não declarada também influenciou negativamente o acesso a financiamento concessional, com o auxílio públicos caindo de 17,5% para 12,4% do PIB. Quando a dívida não declarada foi contabilizada, a dívida pública externa moçambicana com garantia pública disparou de 61% do PIB em 2016 para 104% em 2018. Este aumento vertiginoso do serviço da dívida fez com que Moçambique declarasse moratória em 2016.

O que correu mal?

Quatro factores contribuíram para esta situação tempestuosa: (1) a influência de poderosas elites no aparelho estatal; (2) o acesso em grande escala a financiamento não concessional associado à descoberta de grandes depósitos de gás natural; (3) supervisão inadequada das empresas estatais; (4) fraco investimento público e gestão da dívida. Nem o Banco Mundial nem a comunidade de desenvolvimento anteciparam as graves consequências desta conjugação de factores. Antes deste escândalo, o Banco Mundial seguia uma abordagem maioritariamente focada no reforço de capacidades técnico-institucionais, sem dar a devida atenção ao estado da economia política e aos riscos associados de corrupção. Os riscos orçamentais eram encarados, em grande medida, recorrendo a reformas e ao apoio à capacidade de produzir e publicar Estratégias da Dívida de Médio Prazo (Medium Term Debt Strategies, MTDS na sigla inglesa) e relatórios fiscais e de dívida. Em contraste, uma abordagem mais centrada em governanção teria implicado um apoio maior à implantação de mecanismos de controle prévio aos empréstimos e ao investimento público, alinhados à Análise de Dívida Sustentável (ADS) do país.

O Banco Mundial realizou diversos diagnósticos de gestão financeira pública e de dívida, mas não usou as suas descobertas para informar as prioridades de reforma operacional ou política, incluindo a série de operações de auxílio orçamental apoiada pelo Banco. Estas falhas destacaram-se especialmente nas conclusões do relatório produzido no âmbito do Quadro de Avaliação do Desempenho de Gestão da Dívida (DeMPA, na sigla inglesa) de 2008, que alertou para lacunas graves na declaração e registo da dívida.

Em certa medida, a falta de atenção a estas deficiências sistémicas foi o resultado de uma coordenação e priorização inadequadas no  apoio do Banco Mundial à gestão de finanças públicas e da dívida. Embora o Banco Mundial tenha fornecido apoio significativo para aspectos iniciais da gestão da dívida (como preparação de estratégias de gestão da dívida), tardou na resposta a aspectos subsequentes (declaração e registo da dívida, análise de riscos e custos, processos e procedimentos de dívida). Além disso, durante a maior parte do período avaliado o apoio à gestão da dívida não foi sistematicamente acompanhado por esforços para melhorar a gestão de investimento público, embora a sinergia entre empréstimos e qualidade de investimento público seja amplamente reconhecida. Assim sendo, perderam-se oportunidades de potenciar o crescimento e o impacto da despesa em desenvolvimento e investimento público financiado por dívida.

O que aprendemos?

  • Em contextos onde existe forte influência das elites no Estado e corrupção, as soluções meramente técnicas para gestão da dívida e finanças públicas não alcançam os resultados desejados, a menos que as deficiências de governanção também sejam confrontadas.
  • Diagnósticos de base são essenciais para informar as reformas prioritárias, mas também requerem acompanhamento deliberado e coordenado e maior operacionalização entre os diversos mecanismos.
  • A qualidade e impacto da assistência do Banco Mundial às finanças públicas e gestão de dívida podem ser reforçados se houver uma melhor coordenação e priorização internas.

Ler: O Banco Mundial em Moçambique, Anos Fiscais 2008-21